Friday, February 02, 2007

Clara Ferreira Alves

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CFA: "Há muita gente a ir-se embora. Não é bem o “senhora partem tão tristes”, que é um derrame amoroso. Não. Uns partem porque não acreditam, outros porque estão cansados, outros porque receberam uma oferta melhor, talvez uma oferta que não pudessem recusar. Em todo o caso, partem, e começam de novo. Uns partem para a Europa, onde é mais fácil a adaptação, onde a vida é semelhante à nossa com mais dinheiro, mais civilização, mais suavidade, menos arreganhar de dentes. Os novos emigrantes da Europa são uma raça de luxo, com propostas de empregos cotados, salários decentes, casas incluídas e escolas pagas, e vão trabalhar para corporações ou empresas que descobriram o seu valor, a sua intrínseca qualidade, a sua peritagem e conhecimentos que muitas vezes por cá se distribuíam e desperdiçavam entre uma hierarquia invejosa e ciosa dos seus privilégios e uma mediocracia bem instalada por todos os lugares, sobretudo os do Estado, onde alastra e contamina. A conspiração dos néscios nada é comparada com a conspiração dos medíocres, sempre em bicos de pés e mão serviçais, irradiando simpatia e falsidade e tratando da vidinha. Nas universidades, nos serviços, nas repartições, nos escritórios, nos guichés, nos públicos e nos privados, pulula e prolifera uma raça que não deixa os outros medrar. É uma raça assustada, espécimes em constante vigilância e assustados com a prevaricação, temendo que forças superiores e desconhecidas os arrastem dos postos e os corram pelas ruas como cadáveres inimigos numa revolução. Reformistas por natureza, partidários do pequeno remendo, da pequena, da pequeníssima medida, e da simpatia calçada como uma luva, os medíocres temem que o seu pequeno mundo se fine e seja substituído. Vivem no terror, o que os torna particularmente perigosos por causa do instinto da sobrevivência. Estão dispostos a tudo menos a partir, por isso empurram os outros, os melhores do que eles, para a porta da rua. "
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CFA: "Um grande ano de 2007 seria aquele em que deixássemos de ter o desejo, a necessidade, a obrigação, o nojo de partir. Seria um ano em que acreditássemos, finalmente, que não precisamos de ser salvos, não queremos ser salvos, não podemos ser salvos. Não queremos ter um pai, um ditador, um patriarca, um chefe, um déspota, um iluminado. Elegemos quem nos governa, demitimos quem nos desgoverna, somos senhores do nosso futuro e ele não se chama José Sócrates, chama-se Portugal. Sócrates pode ajudar a mudar isto, isto só muda se mudarmos também. Circular e viajar não é o mesmo que abandonar e deixar para trás, como fizeram dois primeiros-ministros, recorde mundial. O seco, fero e estéril monte de que falava Camões na canção é muito longe daqui. É na dureza, num lugar distante de nós, onde nos achamos gastando uns tristes dias. Ele, claro, regressou. Teve esse atrevimento. "

2 comments:

Anonymous said...

Pá falar deste pais mexe muito com o que vai cá dentro. A revolta pelo que poderiamos ser, pelo que falta de solidariedade e sentimento de interesse nacional. Enfim um assunto bem complexo, mas este texto está muito bem, bastante incisivo, cáustico como devemos ser no que toca a apontar as "sanguessugas". Pois é já dizia o Zeca Afonso eles levam tudo e náo deixam nada ... parece que de outra maneira ainda há uma certa prole a levar tudo o que pode e depois está tudo bem porque a Justiça ou falha ou senão falha pescreve ou é emperrada pela legislaçáo e burocracia. Enfim nem tudo é mau ...

Selva Urbana said...

Muito incisivo, mto "certeiro". E é triste que assim o seja - porque é verdade. Nao tenho soluções demagógicas, mas um bom conselho (mais ou menos fácil de seguir) da autora (pode parecer um cliché mas é tão verdadeiro!): para Portugal mudar, 1º têm de mudar os Portugueses. A mudança tem de vir de dentro para fora, do particular para o geral.